Sobre a Raça

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Início da Raça no Brasil


Por Luís Henrique Junqueira proprietário do Canil Herrlich Stamm e Maria Ignez Carvalho Ferreira proprietária do canil J.I.F dobermann’s.

Como era de se esperar, bem antes dos anos 50 já existiam Dobermanns no Brasil. Uma das importações pioneiras foi o macho alemão Wotan v. Park em 1922, por Agostinho José Vaz. Fato não menos interessante é o relato jornalístico de um concurso de adestramento (obediência e defesa), entre cães de várias raças, realizado em 1924 na Praça da República, Rio de Janeiro. Nesta prova de trabalho os Dobermanns Harras v. Eggenberg, Boby e Abs v. Hohenstanberg obtiveram, respectivamente, os três primeiros lugares. Para completar este quadro inicial se faz mister esclarecer que alguns Dobermanns nascidos no Brasil nos anos 40 fecharam campeonato nacional, como por exemplo BR-Ch Clipper dos Moinhos de Vento, nascido em 1948 em Porto Alegre, e que deixou descendência no Rio Grande do Sul. Entretanto sem sombra de dúvida é nos anos 50 que se inicia a criação propriamente dita, isto é, criação utilizando os princípios básicos da seleção animal. Anteriormente, tínhamos mais a “reprodução”, ou seja o simples acasalamento entre dois Dobermanns. Por outro lado se começou uma criação com registros genealógicos completo (RG) se contrapondo ao registro inicial (RI) que antes era muito freqüente. 

Pernambuco teve papel de destaque no desenvolvimento da raça Dobermann no Brasil, pois foi em Recife que viveu Solon Frota, fundador do canil Tabajara do Norte. Frota foi responsável pela importação de vários cães de alta qualidade, provenientes da Alemanha, que influenciaram o início da criação no Brasil. Um dos destaques foi o Bundessieger Troll v. d. Eversburg, SchH 3, FH, nascido em 1948, filho do grande reprodutor BDSG Alex v. Kleinwaldheim, Sch I, gek., “inbreeding” do fabuloso Troll v. d. Eversburg, e que foi o principal elemento desta época. Troll v. d. Eversburg foi originalmente exportado para as Estados Unidos, onde por não cobrir cadelas de qualidade não deixou nenhum produto aceitável. Desta forma, Troll acabou vindo dos Estados Unidos para Recife, pelas mãos de um dos precursores da criação Nacional, Sólon Frota. Este cão padreou as ninhadas “F” (1953) a “J” (1957) do Canil Tabajara do Norte. A mãe destes filhotes foi a holandesa Daisy v. d. Kasteeldreef, também descendente do Troll v. d. Eversburg. Pelo menos sete Dobermanns resultantes dos cruzamentos acima foram importantes para a criação nacional (BR-Ch, VDC Flama, Flash, Franz, BR-Ch Horst, Icaro, If e Jota, todos com o prefixo Tabajara do Norte). Os destaques foram as fêmeas Flama e If, respectivamente, “foundation bitch” dos canis Marigny e Haus Viking. Na Alemanha Troll v. d. Eversburg deixou três filhos que merecem citação, a fêmea D-Ch, BDSG, BSG NL-Wn Jette v. d. Geilenberge, Gotz v. Bismarcksteeg que veio a ser avô da grande reprodutora BDSG Cita Germania e ainda Treu v. d. Steifarthohe que foi reprodutor na Grã Bretanha. 

O Canil Tabajara do Norte efetuou outras importações como a BR-Ch Inka v. d. Nordburg, que antes de cruzar o Atlântico, deixou na Alemanha seu filho Bordo v. Furstenfeld, o esteio da linhagem Furstenfeld. No Brasil, juntamente com BR-Ch Conny v. Furstenfeld, produziu as ninhadas “P” e “Q”, que incluíam o BR-Ch Peter v. Tabajara do Norte, pradeador muito utilizado em São Paulo. Cruzada com o BR-Ch Horst v. Tabajara do Norte, teve Muck v. Tabajara do Norte, reprodutor no Nordeste. Outra importação realizada por Frota teve grande impacto para a criação nacional da época. Foram os cães Conny v. Fürstenfeld e Ceno v. Fürstenfeld, que se tornaram campeões brasileiros. Eles eram irmãos de ninhada de Citta v. Fürstenfeld e de Citto v. Fürstenfeld. A ninhada "C" do canil Fürstenfeld, produzida por Herman Palmer, tornaria-se referência mundial na criação do Dobermann. Segundo o próprio Solon Frota, Ceno era superior aos irmãos, motivo pelo qual não foi exposto na Alemanha. Os dois deixaram grande descendência de norte a sul do Brasil. Talvez o melhor resultado destes cães foi a ninhada “V” do Canil Marigny, entre Conny e  Flama. A cadela Citta v. Fürstenfeld conquistou o título de Bundessiegerin na Alemanha, Campeã na Suíça e Campeã Internacional. Ela é a mãe de Vello v. Fürstenfeld, outro grande expoente mundial e responsável por inúmeras das linhas de sangue atuais. Uma irmã de sangue do Vello também foi trazida para o Brasil pelo Sr. Frota. Tratava-se de Kira v. Fürstenfeld (Bordo v. Fürstenfeld x Citta Fürstenfeld) e neta da BR-Ch Inka v. d. Nordburg.

A partir de 1954, a senhora Suzanne Blum começa sua criação, em São Paulo, com o canil Haus Viking, utilizando cães de origem nacional, incluindo aqueles do canil Tabajara do Norte. Mas logo madame Blum começaria a fazer suas próprias importações, trazendo cães da França, Alemanha e Holanda. Suzanne Blum passaria a exercer grande influência na criação brasileira, sendo até hoje reconhecida como a "Mãe da Raça Dobermann no Brasil".

A difusão da raça e sua história propriamente dita, começou com a fundação do Dobermann Clube da Guanabara em julho de 1959, que passou por força de um contrato com o Ministério da Agricultura a ser o órgão especializado no Brasil, orientando e controlando a raça. A partir de sua fundação criou-se um Stud Book (livro de registro) onde os cães passaram a ser rigorosamente registrados.

Pode-se citar, o Sr. Otto Dunhofer, Sra Suzane Blum, Sr. Solon Frota, Sr Hermes de Barros Lima, Sra. Yolanda Ruop e outros abnegados, como os precursores da primeira fase antes da fundação do clube, que importando da Alemanha e de outros países vários cães contribuíram para a iniciação da raça, neste País.

Não podemos omitir também, conforme indicado no início desse texto, o nome do Sr. Agostinho José Vaz que em 1922 importou da Alemanha um belíssimo exemplar citado no livro Le Dobermann e no 1º número da Revista oficial do Dobermann Clube da Guanabara.

O holandês Alextordo (sem nome de canil) em 1956, em São Paulo, teve com Liana da Holanda a ninhada “B” do Canil Anhangá; e com Mimi do Viareggio as ninhadas “B” e “C”, esta última em 1957, deu o Claudius de Speeral que foi reprodutor no Paraná. Interessante ressaltar que Mimi é bisneta do importado norte americano Zephir Duke, nascido em 1949. O francês, filho de alemães, Br-Ch Claus d´lle de Ker deixou duas linhas principais, uma através da Ava do Manacá, cuja mãe era a BR-Ch Diana de Holanda, e do Etoile of South American Kennels, filho da Rebeca do Araxá. No Rio Grande do Sul o alemão Muck v. Sylvester contribui com vários descendentes, como Ájax (sem nome de canil) e a importante reprodutora Deca da Conceição, mãe dos campeões Iro e Gilda da Conceição. Nos anos 60 chegaram neste estado, para o Canil Cresisto, dois alemães que influenciaram grandemente a raça no Brasil, eram eles: Sam v. Romberg e sua mãe Kytta v. Romberg, SchH III. 

O holandês BR-Ch Ferdinand v. Vlamovia foi importado pelo Canil Oxumaré da Bahia, onde com a BR-Ch Dana dos Guararapes, teve duas filhas: BR-Ch Dorle Iao do Oxumaré e Fly do Oxumaré, que seguiram reproduzindo. Sua outra filha conhecida foi Hexe v. Haus Viking, com If Tabajara do Norte, e que foi utilizada como matriz no Haus Viking. O Oxumaré tinha também como reprodutora a BR-Ch Fee v. Haus Viking, mãe do Álamo Príncipe Alaô do Oxumaré. 

Na sua grande maioria as importações de Dobermann nos anos 50 eram da Europa, mais precisamente da Alemanha, país de origem da raça. Entretanto tivemos no Rio de Janeiro uma bem sucedida importação de cão norte americano, a do BR-Ch, VDC BoxBob´s Terry of Kaiangwan. Embora tenha morrido precocemente em 1961, nos deixou bons frutos, como a BR-Ch Flôr de Maio do Araxá. Terry era meio irmão paterno do “imortal sire” o USA-Ch Steb´s Top Skipper. Outro americano aqui utilizado como reprodutor foi o residente no Uruguai, UR-Ch Dobe Acres Moe, filho do grande pradeador USA-Ch Dobe Acres Cinnamon. Pelo que se sabe só houve duas ninhadas registradas em seu nome e ambas no Rio Grande do Sul. A primeira com Deca da Conceição teve o BR-Ch Iro da Conceição e a segunda com a Althea de Seival resultou em três campeões, Demo, Degas, Dana de Seival. Principalmente através destes quatro campeões e mais duas irmãs de Iro da Conceiçao, Moe foi até então, a maior influência norte americana na raça. A norte americana Steb´s High Scandal, filha do duas vezes BIS da Exposição de Westminster, USA-Ch Rancho Dobe´s Storm, teve no Brasil pelo menos duas ninhadas. Foram as ninhadas “U” e “T” de Monteluz, respectivamente, com Vailiant e Vanguard de Margny. Sua descendência aparentemente não foi devidamente considerada. Contudo a partir da filha Triana de Monteluz formou uma linha de descendência. Além destes Dobermanns já comentados e outros descendentes do destacado reprodutor USA-Ch, DSG Muck v. Brunia, houveram outras importações como exemplo os italianos BR-Ch Dober VIII e Athos VI, o suíço Aldo v. d. Hagnau e os alemães Kuno v. d. alten Linde, SchH I e Diana v. d. Bill, que também deram sua contribuição na formação do plantel inicial. 

O pedigree do Int-Ch, BR-GrCh, GVN Negus de Sumatra, irmão e meio irmão de vários campeões, ilustra muito bem como se originaram nossos primeiros Dobermanns. O estoque original dos Dobermanns brasileiros foi formado pelas importações supracitadas, mas teve também a contribuição, ainda que pequena, da população pré-existente, isto é, de exemplares nascidos no Brasil no início dos anos 50 ou final dos anos 40. Durante os anos 50 e no início dos 60 já existia grande intercâmbio na criação nacional e era possível encontrar Dobermanns gaúchos reproduzindo em Pernambuco e vice-versa. Isto não impediu a ocorrência de criação a nível mais estadual ou regional. Infelizmente a criação nordestina após os anos 60 perdeu sua destacada posição dentro do cenário doberista nacional. Sem dúvida isto está relacionado com a parada de atividades do Canil Tabajara do Norte. Segundo Sólon Frota, este fato nada teve com o teste de temperamento do qual ele seria contrário, conforme fora erroneamente divulgado, e sim pela maneira bruta como ele estava sendo efetuado, inclusive lesionando cães. Sólon Frota afirmou que sempre foi favorável aos testes de temperamento, desde que aplicados corretamente. 

Quase todo doberista, principalmente no Centro-Sul, já ouviu alguém se referir a Suzanne Blum como a “mãe da raça” Dobermann no Brasil, mas poucos sabem que Herr Sólon Frota certamente é o “pai da raça” no País. Independente destes fatos cartoriais, ambos deram uma contribuição “sine qua non” para o desenvolvimento da raça Dobermann no país. Finalizando este artigo, se faz mister citar alguns dos principais canis de Dobermann no Brasil nos anos 50/60: Holanda, Cascalho, Oldenburg, São Lourenço, São Quirino, Porto Seguro, Speeral, Duque, Montezuma e Haus Viking (SP); Araxá, Senai, Itaipava, Manacá, Caxambu, Alvorada, Monteluz e Marigny (RJ); Moana do Norte, Prazeres, Piedade, Pirapama e Tabajara do Norte (PE); Blue Gardênia e Oxumaré (BA); Victory (ES); Valparaíso (PR); Tiradentes (GO); Marves, Fazenda Velha e Glaukus (MG); Cresisto, Seival e Conceição (RS). 

Em 1976 chega ao Brasil, através de outro criador, o cão Gogo v. Bavaria (neto de Bryan v. Forell). Gogo foi acasalado com a fêmea Tavey's Doeskin, trazida da Inglaterra. Desta união nasceu Brian v. Heiss, da criação de Athayde Reis Filho. Brian foi um cão de muito sucesso, conquistando os títulos de Campeão Internacional, Grande Campeão, Campeão Sul-Americano, Grande Vencedor Nacional e DT (Dobermann de Trabalho, título conferido aos cães que fossem aprovados em prova de obediência e temperamento).

A partir da década de 70, começam as importações de cães dos Estados Unidos, principalmente do canil Marienburg, da criadora Mary Rodgers. A criação nacional experimenta então uma grande evolução, do ponto de vista de conformação e beleza, e os exemplares de Dobermann começam a despontar nas Exposições e Shows de Beleza, conquistando inúmeras premiações de BIS - Best in Show, situação que se mantém até hoje. Um dos canis que mais se destacou a partir deste período, foi o canil vos Henik do casal Alice e Juan Carlos di Lucca. Em colaboração constante com criadores americanos, era comum o envio de fêmeas de seu canil para acasalamento nos Estados Unidos. O canil vos Henik produziu inúmeros campeões ao longo dos anos, mantendo-se em primeiro lugar no ranking de criadores por diversas vezes. Entre os cães de sua criação, merece destaque o cão Rockland Lusky Serena v. Henik, que se sagrou Campeão do Mundo, na Exposição Mundial realizada na Argentina em 1993. O intercâmbio com criadores americanos tem sido frequente, o que permitiu a inclusão de sangue de Top Producers, tal como o de Am.Ch.Brunswig's Cryptonite (Beaulane The Nite Ryder x Brunswig's Zephyr), no plantel brasileiro.

A partir das décadas de 80 e 90, volta a crescer o interesse por cães europeus por parte de alguns criadores. É a partir desta época que chegam os cães Melba v. Norden Stamm, irmã da famosa Multi Ch. Mia v. Norden Stam (Ebo v. d. Groote Maat x Anka v. Flandrischen Lõwen) e Onix v. Norden Stamm (Baron Bryan v. Harro's Berg x Kassandra v. Norden Stamm), utilizados pelo canil Zards em São Paulo. Eduardo Kunze Bastos, do Canil Nordhalbinsel em Brasília, traz a fêmea Loreley v. d. Alten Linde (filha de Edda v. d. Alten Linde e neta de Bingo v. Ellendonk), que se torna sua principal matriz. Vale a pena lembrar que Edda v. d. Alten Linde é mãe da IDC Siegerin Tessa v. d. Alten Linde que, por sua vez, é bisavó materna de Aick v. d. Kerpenburg, cão de grande destaque na Europa. Também nesta época, Suzanne Blum importa cães da Holanda, dos canis Diaspora e Franckenhorst. Entre eles estão Geba Goljim v. Diaspora (Bjorn v. Stokebrand x Ere-Iris-Ezra v. Diaspora), Mike v. Franckenhorst (Fela v. Franckenhorst x Dolly v. Franckenhorst) e Zenga v. Franckenhorst (Marienburg's Dark Daimler x Golda v. Franckenhorst), irmão de ninhada da BdsSg, AIAD Sg, DV Sg e EURO Sg Zoe v. Franckenhorst, importada pela Itália. Já o canil Rotdomweg é o responsável pela vinda do Am. Ch. & Multi BIS Marienburg's Morocco (Dexter v. Franckenhorst x Marienburg's Hollyhawk), que é pai de Marienburg's Dark Daimler (enviado para a Holanda e bastante utilizado na Europa).


Atualmente, existe no Brasil um grande número de linhas de sangue, incluindo as linhagens produzidas por criadores brasileiros e exemplares importados da Argentina, Estados Unidos e Europa. O cão que mais tem influenciou a criação brasileira nos últimos anos é o argentino Nello's Lex Luthor (Will Ross Opium x Nello's Eureka Black), que produziu vários descendentes em nosso país. Lex Luthor tem a distinção de ser o único Dobermann ganhador de Top Twenty em três países diferentes, Brasil, Argentina e Estados Unidos, tendo sido largamente utilizado como padreador em todo o continente americano.


A história de nossos Dobermanns, em função das suas origens, é muito parecida com a dos Dobermanns ingleses. O principal reprodutor lá foi Tasso v. d. Eversburg (of Tavey), irmão do nosso Troll. A mais importante matriz Prinses v. ´t Scheepjeskerk, C.D.ex.,U.D. era irmã da NL-Ch Prinses Irene v. d. Oude Rinjin (avó de Flip de la Morliere) e meia irmã paterna de nossa Daisy v. d. Kasteeldreef (matriz do Tabajara do Norte). Outra matriz da Inglaterra foi Britta v. d. Heerhof era irmã do NL-Ch Bucko v. d. Heerhof, pai do nosso Alextordo. O Waldo v. d. Wachtparade e o Frido v. Rauhfelsen tiveram grande influência na formação do plantes inglês. Os irmãos campeões Tavey´s Stormy Achievement e T. S. Abundance eram filhos do Rancho Dobe´s Storm. Outro grande reprodutor de sangue americano GB-Ch Acclamation of Tavey era neto do Dortmund Delly´s Colonel Jet e Rancho Dobe´s Primo. Descendentes destes cães vieram posteriormente para o Brasil. Por extensão nosso estoque original é também similar ao australiano, que foi oriundo da Inglaterra.