Sobre a Raça

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Tipos Europeu x Americano e Estrutura x Trabalho

Fala-se muito que existem duas “linhagens de Dobermann” tais sejam a americana e européia. Antes, vejamos o que ensina Maria Ignez Carvalho Ferreira, professora adjunta aposentada de Clínica Médica da UFRRJ, acerca desse assunto: 

Considerando que “linhagem” significa sucessão de gerações dentro de uma mesma família (geralmente 20 gerações) e que apresentam um conjunto único de características que as diferencia entre si, acho incorreto usar o termo na criação de cães. Nenhum criador pode criar dentro da mesma família por mais de 3 gerações sem ter sérios problemas. Acho mais correto utilizar o termo linha de sangue.

Segundo a famosa doberista Peggy Adamson, “No Dobermann, como em outras raças afirma-se que há diferentes tipos. Um país deve sua grandeza a todas as nacionalidades que existem nele, cada uma contribuindo com seu melhor para enriquecer a nação como um todo. O Dobermann possui qualidades para o criador trabalhar e aperfeiçoá-lo e cada linha de sangue dá sua contribuição para a raça Dobermann como um todo."

Tendo em vista tal premissa, vamos utilizar o termo “tipo” ao invés de “linhagem”. 

Realmente existem esses dois tipos, que possuem algumas diferenças, tais sejam:

  • Os cães europeus são mais pesados, com marcações ferrugem mais escuras e pés espalmados, sendo comum apresentarem “jarrete de vaca”. Também tem a "região do focinho mais quadrada".
  • Os americanos são mais esguios e elegantes, com marcações mais claras, pés de gato e a "região do focinho mais afinada".

Os cães europeus têm um temperamento “mais sério” em relação ao tipo americano. A grande maioria dos grandes criadores do Velho Continente submetem seus cães a provas de ZTP, que serve como uma prova de seleção básica para reprodução, e também titulações de trabalho como BH, IGP 1, IGP2 e IGP 3. O fato dos criadores submeterem seus cães às provas de seleção e titulação, não significa que todos os cães serão exclusivamente competidores de provas de trabalho. Inicialmente todos são selecionados e titulados. Depois, parte irá participar de exposições de conformação e parte irá competir em provas de trabalho. Isso não se observa no âmbito dos criadores norte-americanos dedicados a exposições. O DPCA (Doberman Pinscher Club of America) não realiza tais titulações, porém o AKC (American Kennel Club) aceita as titulações realizadas pelo UDC (United Doberman Club). Importante destacar que o AKC além de aceitar os títulos de trabalho, também aceita os títulos de estrutura realizados pelo UDC. Nesse clube americano a maioria dos cães é do tipo europeu, que participam das exposições de estrutura e dessa forma obtém o título de campeão e grande campeão americano, reconhecidos pela AKC. Tal fato é difícil de ser obtido através do DPCA, pois estes não enxergam com os mesmos olhos os cães tipos americano e europeu. É algo natural, pois em relação aos primeiros os europeus são relativamente poucos em exposições e, como há diferenças físicas entre ambos, acabam sendo ignorados em sua maioria. O mesmo acaba acontecendo no Brasil. Importante destacar também a “mistura” dos dois tipos que tem ocorrido principalmente na América do Sul e gerado bonitos exemplares, com temperamento muito bom.  

Além da diferenciação entre tipos europeu e americano, e conforme comentado anteriormente, também vemos uma diferenciação entre Dobermann de estrutura e trabalho. Os Dobermann de trabalho foram selecionados por criadores que estavam mais preocupados com a capacidade de trabalho do cão, do que com sua aparência. Tais cães geralmente são mais fáceis de serem condicionados ao trabalho, têm mais foco, concentração e aptidão para suportar situações de pressão. Fisicamente são mais “feios” que os cães de estrutura, pois estes últimos foram selecionados por criadores que estavam mais preocupados com a sua aparência externa e estrutura. Veja que isso não quer dizer que cães voltados para estrutura não servem para trabalho, mas sim que cães de estrutura (não sendo selecionados para esta finalidade e condicionados desde filhotes) terão alguma dificuldade para desenvolver a função pretendida em alto nível de pressão ou no nível de competição em relação aos cães de trabalho. 

Ambos os tipos têm um temperamento similar, pois qualquer Dobermann é um cão de guarda. Mesmo o Dobermann de estrutura mais tranquilo deve ser respeitado, pois ele não é cão de companhia. Ele é um cão de guarda, que também serve para companhia. Esses cães necessitam de exercícios, treinamentos, socialização e desafios exatamente como os cães de trabalho.

Apesar de, na visão dos criadores de cães de estrutura, os cães voltados ao trabalho serem mais “feios”, essa não é a principal diferença entre ambos. Segundo os treinadores, os cães de estrutura têm a mesma capacidade de comportamento do que os cães de trabalho no que tange a agressividade e resposta rápida, porém não têm a mesma coragem, estabilidade e foco em suas ações. Um bom cão de trabalho sempre vai buscar cumprir sua missão ou morrerá tentando. Dificilmente algo desviará o seu foco do objetivo. Por fim, trata-se de um cão que se entrega aos desafios, independente qual seja, não demostrando medo nas mais extremas situações.

Importante salientar que algumas raças possuem registros (pedigree e stud book) separados para cães de exposição e de trabalho, como o Kelpie Australiano. 

Em resumo, muitas raças foram desenvolvidas para realizar algum tipo de trabalho específico com o intuito de auxiliar o homem de alguma forma, seja pastoreio, guarda, proteção, busca e salvamento e etc. Com o passar do tempo muitos trabalhos feitos por cães deixaram de ser essenciais então a preocupação com a seleção de determinadas características ficou de lado. Assim, surgiram divisões dentro de algumas raças com objetivos distintos. De um lado cães que foram selecionados de acordo com a funcionalidade original a qual foram idealizados e de outro lado cães que foram selecionados de acordo com preferências estéticas. 

O que são as provas de trabalho?

As características funcionais de um cão não são visualizadas em uma exposição de estrutura, então para suprir essa necessidade de visualização do desempenho funcional utilizam-se provas de trabalho e as competições. Tratam-se de esportes com regulamentos específicos e realizados em ambiente controlado, portanto diferente da imprevisibilidade do mundo real. 

Provas como o IGP, mondioring, KNPV, Ring sport, pastoreio, caça, detecção e etc, podem ser aplicadas de acordo com a finalidade de cada raça. Uma das formas mais utilizadas para selecionar cães de trabalho é a avaliação de seu desempenho em provas de titulação e competições, embora cientificamente até o momento não exista estudo comprovando que traços comportamentais apresentam herdabilidade no caso dos cães. Por outro lado não se vislumbra separar o que é herdado do que é condicionado em qualquer uma dessas provas, pois os treinadores tem em mente que apesar de ser possível condicionar um cão de forma intensiva, apenas os que tem potencial, independente do ambiente, acabam tendo um bom desempenho. Então, antes de iniciar qualquer condicionamento, a maioria dos criadores e treinadores avaliam o potencial do cão. 

Embora tais provas sejam desprovidas do fator imprevisibilidade e demais experiências reais do serviço, estas são utilizadas na seleção dos requisitos essenciais para os mais diversos tipos de serviço na medida que pretendem se aproximar de situações cotidianas.

A prova de trabalho mais conhecida é o IGP, conhecido como IPO até 31/12/2018 e antes conhecido como Schutzhund. A sigla IGP significa Internationale Gebrauchshunde Prüfungsordnung ou Regulamento de Exame de Cães de Trabalho Internacional. 

O primeiro nome dessa prova, Schutzhund, é a junção de duas palavras. Schutz significa Proteção e Hund significa cão, então Schutzhund quer dizer Prova do Cão de Proteção. Depois, o nome foi alterado e passou a chamar-se IPO ou Internationale Prüfung Ordnung, 

O Schutzhund foi criado por civis como prova de seleção para Pastores Alemães que tivessem aptidão para o serviço policial em geral. Em meados da década de 40, logo após o fim da segunda guerra, outros clubes de raça alemães passaram a utilizar a prova, pois entenderam que era uma maneira de manter a funcionalidade dos seus cães. Com a adesão de mais clubes utilizando a prova, verificou-se a necessidade de manter a padronização da mesma. Então foi criada a AZG (Arbeitsgemeinschaft für Zuchtvereines und Gebrauchshundverbände) que quer dizer algo como Associação de Clubes de Criação e Associação de Cães de Utilidades e tinha como finalidade garantir o padrão da prova, além de servir de referência para os clubes especializados.  Foi a AZG quem primeiro estabeleceu o Schutzhund e seus níveis, além das provas de BH, FH 1 e 2 e AD. Todos os clubes especializados são representados na AZG.

A prova é dividida em três seções: faro, obediência e proteção. Também há três níveis de dificuldade: básico (1), intermediário (2) e avançado (3). Para a seleção de cães no que tange a acasalamentos normalmente é requerido no mínimo que os mesmos tenham o nível 1 ou básico. A participação em competições internacionais exige que o cão tenha o nível 3 (avançado), mas em alguns locais são realizadas competições apenas entre cães já titulados no nível 1, como forma de incentivar e motivar os mesmos a seguir adiante. 

Existe uma prova básica que serve como pré-requisito para a prova de IGP 1, chamada prova de BH. O nome BH significa Begleite Hund ou Cão de Acompanhamento e consiste em uma avaliação básica de obediência e de trânsito. Já houve época em que muitos acreditavam que cães de guarda eram um risco para a sociedade, então o BH é uma ferramenta importante para combater tal falácia. Trata-se de um importante instrumento para a posse responsável, sendo importante que, na medida do possível, a maior parte possível dos proprietários de cães de guarda submetam seus animais a esta prova.